“Não somos justificados pela fé por crermos na justificação pela fé. Somos justificados pela fé por crermos no próprio evangelho – em outras palavras, por crermos que Jesus é Senhor e que Deus o ressuscitou dos mortos” – N. T. Wright (“New Perspectives on Paul”, em Justification in Perspective).
Nos anos recentes, N. T. Wright, bispo inglês e erudito em Novo Testamento, emergiu como um ícone de teologia bíblica ao redor do mundo. Sua obra excelente sobre a ressurreição de Cristo tem influenciado muitas pessoas, incluindo Antony Flew, o ex-ateísta e famoso filósofo de seu próprio país, que se converteu ao deísmo. Wright é famoso também por ser um dos principais arquitetos da Nova Perspectiva sobre Paulo, na qual ele redefine a doutrina da justificação de um modo que transcende a disputa histórica entre o catolicismo romano e o protestantismo da Reforma. Em um sentido, Wright diz: “Uma praga em ambas as casas”, afirmando que tanto Roma como a Reforma entenderam errado e distorceram o ponto de vista bíblico quanto à justificação. Em sua resposta à crítica de John Piper à sua obra, Wright expressa condescendente menosprezo por P iper e por todo s os que adotam o ponto de vista tradicional protestante quanto à justificação. Wright critica as tradições teológicas que ele acha não entendem o ensino bíblico.
No curso do debate, um dos argumentos mais enganadores e eficazes usado freqüentemente chama-se “falácia do espantalho”. O valor de um espantalho está no fato de que ele é uma imitação de um ser humano e idealizado para afastar alguns pássaros. É um recurso eficiente, mas não é tão eficaz como se um lavrador vigiasse seus próprios campos com uma espingarda. O lavrador feito de palha não é tão formidável como o verdadeiro lavrador. Isso é verdade no que diz respeito à diferença entre o autêntico e o falsificado. A falácia do espantalho acontece quando alguém cria um falso conceito da posição de seus oponentes em uma representação distorcida pela qual ele, então, destrói facilmente essa posição, em total refutação.
Uma das afirmações que N. T. Wright emprega, usando esse mesmo estratagema, é a declaração de que “não somos justificados pela fé por crermos na justificação pela fé”. Insinuar que a ortodoxia protestante crê que somos justificados por crermos na doutrina da justificação pela fé é o rei de todo os espantalhos. É o Golias dos espantalhos, o King Kong das falácias do espantalho. Em outras palavras, é uma grande mentira. Não sei de nenhum teólogo na história da tradição reformada que crê ou argumenta que uma pessoa pode ser justificada por crer na doutrina da justificação pela fé. Isso é pura e simples distorção da tradição reformada.
Na afirmação de Wright, vemos um argumento de espantalho que cai por seu próprio peso. Contém mais palha do que a figura de galhos pode suportar. A doutrina da justificação pela fé somente não ensina que a justificação acontece por crermos na doutrina da justificação pela fé somente; mas, de fato, ela ensina aquilo que é exatamente o oposto dessa idéia. A expressão “justificação pela fé somente” é uma abreviação teológica para afirmar que a justificação se dá somente por meio de Cristo. Qualquer um que entende e advoga a doutrina da justificação pela fé somente sabe que o ponto central é aquilo que justifica – confiança em Cristo e não confiança na doutrina.
Um dos termos-chave da expressão “justificação pela fé” é o vocábulo “por”, o qual demonstra que a fé é o meio ou o instrumento que nos une a Cristo e aos seus benefícios. O conceito indica que a fé é a causa “instrumental” de nossa justificação. O que está em vista na formulação protestante é uma distinção do ponto de vista católico romano quanto à causa instrumental. Roma declara que o sacramento do batismo, em primeira instância, e o da penitência, em segunda instância, são as causas instrumentais da justificação. Por isso, a disputa a respeito de que instrumento é a base pela qual somos justificados foi e continua sendo a disputa clássica entre a Igreja de Roma e o protestantismo. O ponto de vista protestante, seguindo o ensino de Paulo no Novo Testamento, é o de que a fé é o único instrumento pelo qual somos u nidos a Cristo.
Intimamente relacionada a isso, está a disputadíssima questão dos fundamentos de nossa justificação diante de Deus. Nesse ponto, o conceito bíblico da imputação é sobremodo importante. Aqueles que negam a imputação como fundamento de nossa justificação declaram que isso é uma ficção jurídica, um erro judicial ou mesmo uma manifestação de abuso infantil cósmico. No entanto, ao mesmo tempo, a imputação é a explicação bíblica para o fundamento de nossa redenção. Nenhum texto bíblico ensina isso mais claramente esse conceito de transferência ou imputação do que o texto de Isaías 53, que a igreja do Novo Testamento ressaltou como uma explicação profética crucial do drama da redenção. O Novo Testamento declara que Cristo é a nossa justiça, e é precisamente a nossa confiança na justiça de Cristo como fundamento de nossa jus tificação que é o foco da doutrina da justificação pela fé.
Entendemos que crer na doutrina de Sola Fides não salva ninguém. A fé em uma doutrina não é suficiente para salvar. Contudo, embora não sejamos salvos por crer na doutrina da justificação, a negação dessa mesma doutrina pode ser fatal, porque nega a doutrina da justificação pela fé somente. O apóstolo Paulo mostrou, na Epístola aos Gálatas, que tal negação equivale a rejeitar o evangelho e substituí-lo por alguma outra coisa; e isso resultaria em sua anatematização por parte de Paulo. O evangelho é importante demais para ser rejeitado por inclinar-nos diante de espantalhos.
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